“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”

Amyr Klink

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

9º dia Uspallata

Era Domingo, acordamos um pouco mais tarde do que de costume, afinal, não iríamos rodar neste dia, lá fora caia uma leve garoa, o tempo estava mais frio, coisa de uns 20ºC, após o " desayuno" , saímos dar um role a pé pela vila, compramos um jornal local que acabei lendo inteiro na parte da tarde para matar o tempo, fizemos algumas fotos e voltamos para o hotel porque o tempo estava meio molhado, passamos boa parte do dia entre TV, internet, e janela, admirando a paisagem e eu pensando numa forma de voltar a andar para poder sair dalí com a moto funcionando, coisa que parecia meio difícil ocorrer. No sábado a tarde acabei voltando na loja do Mamet e comprando aquela bateria de 3A, queria pelo menos saber se era só bateria ou se teria outro problema, adaptei a bateria na moto, pois seu tamanho era incompatível com o compartimento da bateria original, tive que cortar um pedaço do plástico e amarrar com arame, feita a ligação as luzes do painel voltarão a ascender, foi onde achei que poderíamos tentar voltar a Mendoza rodando, porém não dei partida por que precisaria fazer uma chupeta e deixamos isso para fazer na segunda-feira, dia que teríamos que voltar definitivamente.


No fim da tarde que o tempo deu uma firmada, alugamos duas bikes e fomos dar um rolê pelo entorno da cidade, lugar muito bonito e pedalada a 2000 M a.n.m, não é pra quem tá despreparado. Na foto abaixo, onde está verde é a vila de Uspallata, o entorno é todo pedras e arbustos...



Fomos até uma antiga construção da época da colonização espanhola, donde se extraia ouro e prata para envio a coroa, chamado de Bovedas de Uspallata.




Em Uspallata tem duas ou três empresas que promovem passeios de alta montanha, formam grupos e levam de van até a entrada do parque Aconcágua, onde está localizado o monte Aconcágua - Sentinela de Pedra - tem 6 962 metros de altitude, e é simultaneamente o ponto mais alto das Américas, de todo o Hemisfério Sul e o mais alto fora da Ásia, porém como o passeio dura o dia todo as saídas são logo pela manhã e quando fomos ver já era na parte da tarde, perdendo uma ótima oportunidade de conhecer este ponto do planeta.Vale a dica  para quem quiser se aventurar, o passeio custa em média 300 pesos por pessoa.

8º dia Mendoza - Uspallata > 120km

Era para ser o melhor dia da viajem, o mais esperado e enigmático, a travessia dos Andes, de certo, não foi dos piores, afinal chegamos lá...
Acordamos pela manhã de olho no tempo, já que o mecânico das motos no dia anterior tinha nos alertado sobre uma " tormenta" que estava para chegar e isso seria perigoso, pois muda as condições do tempo rapidamente. Bom, obviamente que aquele friozinho estava na barriga, tomamos nosso "desayuno", arrumamos as coisas, descemos e na recepção perguntei para a atendente se aquele era um bom dia para atravessar a cordilheira de moto, e ela disse confiantemente que o tempo estava ótimo, aquilo deu um pouco mais de animo, apesar de meu desânimo interior, naquela manhã eu já sentia que algo não me chamava para continuar adiante.
Arrumamos as coisas na moto e na hora de dar a partida, nada, sem bateria, então manobrei a moto e aproveitando uma rampa que tinha no estacionamento, dei um tranco e a moto pegou, deixei-a funcionando por um tempo e desliguei, ao dar novamente a partida a mesma funcionou, aparentemente estava carregando, mas fiquei cheio de dúvidas sobre o que fazer, de imediato quis ficar por ali mesmo, nem sair do hotel e levar a moto de volta a concessionária, mas lembramos que ele não tinha bateria, então resolvemos andar um pouco com ela e ver se chegava até a oficina, só que chegando na oficina, estava fechada e isso já era quase 9 da manhã. Então ficamos alí, perdidos sem saber o que fazer, paramos no posto de gasolina, abastecemos, dei partida a moto pegou normalmente, então resolvemos ir adiante, afinal de contas entre onde estávamos e o ponto alto na travessia dos Andes existiam dois vilarejos, Potrerillos a uns 50 km e Uspallata a aprox. 120 km, resolvemos ir e se algo desse errado ainda teríamos estes dois pontos de apoio sem contar que iria dar para a moto carregar a bateria.
Pegamos a ruta 7 em direção ao Chile, passamos por um trecho urbano e logo estávamos passando por "fincas", plantações de uvas extensas destinadas a fabricação de vinho. Nesse trecho encontramos com um grupo de três motos, creio que todas BMW GS e uma VW/vam, esta da foto acima com placa da União Européia, estavam viajando em comboio e carro de apoio, com certeza deviam estar a um bom tempo na estrada, e nessa região ai é comum encontrar veículos, principalmente motos de toda parte do mundo mesmo, é uma região muito explorada nesse segmento. Quanto mais andávamos, mais o " gigante de pedra" se aproximava, e confesso que a primeira vista ele já demostra toda sua imponência. 
Andamos por uns 30 km entre curvas e montanha, onde quanto mais andávamos, mais árido ia se tornando a paisagem em virtude da altitude crescente, uma estrada muito linda, bem conservada e com trafego tranquilo, fomos chegando mais perto de Embalse Potrerillos, um vilarejo com cunho turístico e desportivo onde há um lago de águas azul turquesa, construído para represar a água de degelo que desce os Andes e serve para abastecer Mendoza e cidades adjacentes, um lugar ótimo para se passar uns dias.





























Ruta nacional 7, Km 1103


























Por volta das 12:30 hs, entramos em Uspallata, que depois de tanto ver pedra, pareceu um oásis no deserto, de tanto verde avistado, é um vilarejo que serve como ponto de apoio a quem se aventura a escalar o Aconcágua, tendo algumas lojas especializadas em aluguel de equipamento e que promovem excursões para alta montanha, tem tb um comércio básico, com mercado, restaurantes, padaria, e dois ou três hoteis, passamos em frente ao posto YPF, mas como a fila era grande e estávamos com o tanque quase completo, tocamos em frente.

 A uns 5 km dali se encontra uma grande aduana de carga, onde são parados caminhões, mas não tinha nenhum controle policial na estrada, tocamos em frente e já estávamos no meio de pedras novamente, num lugar único, onde a paisagem encanta e te faz pensar muito...





A paisagem nos Andes é impressionante, uma aquarela de cores, só quem já teve a oportunidade de estar lá para saber o que se sente, pena  que não deu para ir muito mais a frente, passado uns 10 km de Uspallata e faltando uns 80 km para chegar na fronteira Argentina/Chile, sinto minha moto começar a falhar, estava cortando corrente, aumentei a rotação do motor, e mesmo assim ela começou a querer morrer, avisei o Duda pelo comunicador bluetooth, fiz a volta na estrada e começamos " tentar " uma volta até o vilarejo de Uspallata que estava alguns km atrás. A moto já não tinha força para andar, estava com o cabo enrolado no último e ela pipocando, quando num trecho da rodovia que estava em obras me aparece uma pessoa com uma bandeira vermelha na mão, impedindo o trânsito porquê mais a frente um trator estava atravessando a pista bem vagarosamente, ai pensei, se parar a moto morre a não ser que deixá-la acelerada, foi o que fiz, parei cara-a-cara com o operário e continuei com o cabo enrolado, ele me olhando com aquela expressão de que ia me mandar pra pu..@#$%&!!, ficamos aliá parados uns 90 segundos, com a moto acelerada "pipocando", assim que a pista foi liberada, a muita custa coloquei a moto para rodar, mas não rodei muito, logo ela apagou..., morreu que não dava nem sinal de vida, nem as luzes do painel ascendiam, aparentemente a bateria já era, foi pro saco!!,  a previsão dos muitos negativistas que acompanharam nossa aventura estava certa...a moto quebrou no meio do nada!!! 

É impressionante como no mundo do motociclismo a idéia de "familia" é globalizada, enquanto estávamos ali na beira da estrada "contemplando" a cagada, começamos a prender uma moto na outra com um cabo de aço que levamos para esta situação (até acho q se não tivesse levado, talvez não tivesse acontecido, más como as previsões da maioria era de que isso iria acontecer, seguro morreu de velho né, levamos o reboque), depois de muitos carros que passaram por nós eis que surge um argentino numa GS 650 a caminho do Chile, e ao nos avistar, faz e volta e todo solicito vem nos perguntar o que aconteceu, ao saber do acontecido fica todo inconformado e se prontifica a ajudar, perguntou o que ele poderia fazer, se tinhamos cabo para puxar ou queríamos que ele voltasse para procurar um guincho e diante da nossa situação, agradecemos ele porque tinha-mos como voltar, afinal de contas estávamos só a uns 10 km de Uspallata, ele nos desejou "Suerte" e tomou destino, aparentemente chateado...Essas pessoas que encontramos pelas estradas que nos fazem ver que nunca estamos sozinhos, seja onde for pessoas de bem se encontram, e isto nos da motivação para ir além...Gracias amigo!!!


Reboque feito começamos a voltar, na minha cabeça a certeza de que a viajem de volta à casa começava alí e aquilo ao mesmo tempo que desanimador, foi também muito reconfortante, saber que estávamos ...indo de volta pra casa...Confesso que dos 6760 km rodados nesta viajem, os km mais tensos rodados foram estes aprox. 10 até Uspallata. Estávamos rodando por uma estrada sem acostamento, e com tráfego de caminhões e nós rodando devagar, 60 70 km/h e com uma dificuldade enorme para segurar a moto na estrada, como o cabo ficou amarrado em somente uma das barras da suspensão, a cada puxada que o duda me dava eu tinha que segurar a moto no guidão para não levar um capote e assim fomos " entre trancos e barrancos" (literalmente), de volta a Uspallata. Assim que chegamos lá, por volta das 13:00 hs, já paramos ao lado do posto YPF e fui logo atrás de saber onde tinha uma oficina de motos, e fui informado pelo frentista que alí não tinha, tinha uma bicicletaria do Mamet que também mexia com motos, muntei na moto do duda e fui atrás do tal Mamet. Quando cheguei em sua loja, o mesmo disse que não tinha bateria para minha moto, que só tinha uma lá mais era fraca de 3A, e a minha moto precisava de uma de 5A, senão não iria funcionar, a não ser que eu fizesse uma "chupeta" ai ela funcionaria, porém iria rodar um tanto e queimar por causa da diferença de tensão. Resolvi não arriscar, parecia arriscado demais continuar assim bem como voltar também. A concessionária Honda mais perto estava em Mendoza, a 120 km para trás. Fui atrás então de guincho e o único da cidade naquele momento me pediu 700 pesos e só iria estar disponivel lá pelas 5 da tarde. além de ter achado meio caro, fiquei pensando em chegar a Mendoza, uma cidade turística, num sábado a noite, com uma moto quebrada, ter que procurar hotel...não iria ser muito fácil, resolvemos então ficar em Uspallata até segunda de manhã, onde iriamos tentar ir rodando ou de guincho de volta a Mendoza. Arrumamos um hotel a beira da RN 7, defronte ao posto YPF, hotel El Montañes, quarto para dois 260 pesos, muito mais barato do que estávamos pagando até então, hotel que recomendo pelo atendimento, limpeza, bom café da manhã e cordialidade dos anfitriões. Ficaríamos alí, dois dias, duas noites, em meio a cordilheira dos Andes, uma parada que não constava do nosso roteiro e que sem sombra de dúvidas, foi a melhor opção que fizemos diante da situação que nos encontrávamos , desfrutamos de dois dias de turismo num lugar maravilhoso, ótima gastronomia, visual incrível, clima friozinho, enfim, um lugar especial.